domingo, maio 08, 2005

PÂNDEGA TANTÃ E OUTRAS NÃO MENOS

Márcia Maia
Image Hosted by ImageShack.us
Nagério e Carlinhos Bem no Bar de Nazaré


PÂNDEGA TANTÃ


Zé do Rojão arregalava os olhos remelentos do excesso da luz dos dias e das noitadas de pandeiro e traquinagens, aluado de si, sem saber ao certo onde dormira nem ter porventura uma lembrança nítida do beréu que se metera. No bolso, um trocado que mal dava para pagar o pernoite e, mais ali adiante, um gargarejo demorado em meio copo de cachaça para ajudar a tirar o bafo e limpar garganta afora goela dentro, enganando assim a fome e o cansaço enquanto ficava zonzo e renovado na alegria dos truques e das mutretas que o paletó escondia, que a voz fraca imitava, que o corpo mole fazia.

Mais uma e dê cá outras, no entremeio da bicada paga aqui pelo estudante ou de uma saideira oferecida lá pelo distinto do canto, o recinto já bem animado na prosa com zinebra e tira-gosto de papel, o saltimbanco dos becos, o temido imoral das donzelas caprichava nas piadas gordamente apimentadas de enxerimentos e más intenções, um dengo acanalhado no começo e outro pior no fim, o senhor dos gracejos se esmerando em gaiatas contorções de escarninho, um rubor indiscreto atingindo velhos, moças e sinhás, o Baixo-Calão expulso do ambiente, recolhendo maus augúrios e reprovações dos presentes, se despedindo descaradamente com a mais gaiteira voz saída das trôpegas e bêbadas cordas vocais: Prazer que me já dão! Até outra!


Aroldo Martins



MEU LOURO


O meu lourinho é um danado. Chegou em casa novinho, nu, só canhão lhe cobria o couro, a cabeça parecendo maior que o corpo, o bico parecendo mais o imenso nariz de Pedro Abech, o turco narigudo do Beco, especialmente quando mandou raspar a cabeleira depois de ter visto no Fantástico uma matéria que dizia ser agora fashion os carecas.
O lourinho é bem humorado e educado, amanhecendo dando bom dia a todos. Quando chegou, mamãe era quem o alimentava, empurrando-lhe um mingau goela abaixo, até que ele começou a procurar as sementes de girassol deixadas no viveiro. A banana. O mamão.
Lourinho toca e atende telefone. Pode ser fixo ou celular, com qualquer toque. E depois de ligar, atender e dizer o alô, conversa por horas na base de um diálogo que ninguém entende, mas que é característico de conversas ao telefone, tipo: sim... tô ouvindo... hein?
Muitas vezes, mamãe vai ao portão para ver se a minha irmã a está chamando. É que lourinho imita tão bem a sua voz, que muitas vezes engana mamãe e outras pessoas que estejam em casa.
Mas o melhor é quando alguém bate palmas do lado de fora ou toca a campanhia. Lourinho não perde tempo:
— Quem é?
— É Maria, do salão de beleza.
— Quem é?
— É Maria, do salão de Beleza. Pra avisar que...
— Quem é? Insiste lourinho.
— É Maria, pra avisar a dona Isabel que...
— Quem é? Continua lourinho na sua santa ignorância, sem saber que mal pode causar ao responder palmas suplicantes diante de um portão fechado.
— Diga a dona Isabel que...
— Quem é?


Eduardo Alexandre



Solidão


Era um vazio tão grande,
que até a tristeza
não aguentou a solidão
e saiu pra passear.


Ana Paula Cadengue



Quero o encontro dos cálices guardados


Quero o encontro dos cálices guardados,
berimbar capoeira ouvindo jazz,
em degraus ver os rostos, mil quadrados,
a fumaça de azuis, chopp e pastéis.

Ter poemas a troco de uns trocados,
nesse A4 eu dizer o que me és,
ver em curvas e retas teus riscados,
mas guardar, dessa vez, esses papéis.

Quero inícios com fins mais demorados,
quero o beijo na boca e nos teus pés.


Antoniel Campos


Laélio Ferreira

Boi de Reis Infantil, ontem, na festa Pratodomundo, no Beco.


tarde breve


perdi-me a imaginar tardes
distantes

locais onde me encontro se
me perco

num tempo onde me perco
em desencontro

(não sei quando me encontro
quando perco)

e assim de mim perdida em
cada beco

me quis reencontrada num
instante

nessa cidade azul onde me
perco

e ao dar com o céu perdido
em véus de chumbo

me apercebi que anoiteceu
tão cedo

e eu — perdida em mim —
nem me dei conta


Márcia Maia



À margem, como epígrafe

Além da névoa e da noite, o que existe?
Marize Castro


Aqui, sem saber-me eu.
Decifrada em sementes, antegozo o fruto maduro ante a iminência da queda, recorro aos meus delírios; repouso em minhas fugas.
Apago luzes, bato a porta, saio. Acendo faróis sem rumo. “Além da névoa e da noite, o que existe?” Indagava a poesia deixada sobre a cama, como se a exigir resposta quando da volta.
Serpenteio a cidade em busca do que fazer. Entro num shopping; aprecio vitrines que refletem desejos. O cartaz do cinema me atrai para uma fila de ingressos. Encontro uma amiga de outrora e tomamos rumo da praça de alimentação. Pedimos cerveja e logo estamos a gargalhar lembranças de tempos irrequietos, quando o futuro era vaga referência abstrata e distante.
Procuramos saber razões das marcas deixadas em nossas faces. São tantos os labirintos que mentimos a nós mesmas, escondendo passados de vivências desprezadas.
É forte o desejo da dança. Partimos, então, em direção ao abismo. Seremos serenos em busca de orvalhos. Seremos madrugadas.
Como chove fininho e o tempo esfriou, ela se deixa levar ao primeiro pedido.
Fico só em meus devaneios intérpretes de canções. Descubro que a alma é imensa e grande é a sensibilidade de quem se deixa seduzir por palavras grafadas em sentimentos.
Isso fica.
Fico eu também, porém, a descartar segundas intenções. Os sons hoje são mais agradáveis que as estripulias da noite. Prefiro pensar. Estar comigo mesma para tentar desvendar estradas percorridas em velocidades alucinadas.
Que fiz eu da vida? Sobrou-me a lágrima sobre a mesa tinta do vinho consumido.
Raiou o dia e eu não me dei conta de mim. Lembro a leitura deixada na cama e o verso que me ficou como epígrafe: todo rio tem sua margem.
Talvez seja eu a margem não alcançada da noite.


Neuza Margarida Nunes

por Alma do Beco | 6:58 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

.. .. ..

.. .. ..

Recentes


.. .. ..

Praieira
(Serenata do Pescador)


veja a letra aqui

.. .. ..

A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

layout by
mariza lourenço

.. .. ..

Powered by Blogger

eXTReMe Tracker