domingo, maio 29, 2005

O PRIMEIRO BRASILEIRO 4



Aos poucos, os índios voltaram ao topo das dunas, até que nenhum mais foi visto na praia. Eram centenas. Um número bem maior do que o do dia anterior. A maioria sentada ou de cócoras, como se esperassem que os visitantes viessem buscar suas oferendas. Gaspar de Lemos, no entanto, precaveu-se. Nenhum passo seria dado até que algum sinal dos portugueses em terra surgisse. À sombra do cajueiro em que dormira, João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes cavou um buraco de um metro de profundidade, dois de extensão e meio metro de largura, e fez, em dimensões um pouco maiores, um tampo de varas e folhas. Ali ficaria entrincheirado, observando os movimentos da orla marítima.
No meio da tarde, um grupo de mulheres índias desceu a duna com mais oferendas, depositaram-nas sobre a esteira e iniciaram uma dança estranha, de roda, com rodopios sobre o próprio corpo, e gestos como se a convidar os visitantes à terra.
Na nau capitânia, os comandantes confabulavam. Não atenderiam àquele convite. Enquanto não soubessem o paradeiro dos homens desembarcados, não responderiam aos silvícolas. Em terra, quando ultimava o revestimento de sua trincheira com varas, João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes foi surpreendido por um dos índios que o procuravam.
Antes que o silvícola corresse a denunciá-lo aos demais, o mancebo disparou sua garrucha contra ele, matando-o. O estampido despertou a curiosidade de outros selvagens nas imediações, que, assustados, foram dar a notícia ao chefe Potiassu. O português, vendo o perigo iminente, jogou seus apetrechos na trincheira, foi até o corpo do índio abatido, arrastou-o até o buraco e empurrou-o para o seu interior. João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes tremendo, cuidou de apagar os vestígios de sangue deixados sobre as folhas pelo silvícola. Colheu-as do chão e levou-as consigo para dentro do esconderijo subterrâneo, puxou o tampão que preparara para encobri-lo e deixou-se ficar ali em silêncio, dentro da terra, observando o movimento através de uma das pequenas fendas, preparadas para servirem à vigia.
Um grupo de índios logo estava em volta do local, vasculhando, mas de nada se aperceberam, nem deram pela falta do companheiro morto. Logo esqueceram aquele barulho estranho, jamais antes por eles escutado. Voltaram às suas posições na duna, despreocupados em caçar o fugitivo, enquanto outro grupo de mulheres voltava ao local do marco, acenando mais uma vez para as naves ancoradas na enseada. Voltaram uma vez mais antes do entardecer, e, de sua trincheira, tudo João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes observava.
As tentativas de aproximação dos índios com os brancos, naquele dia, foram vãs. Antes do anoitecer, retornaram às suas aldeias e não mais se preocuparam com o português em terra, até que deram pela falta do guerreiro morto. Poderia ter ficado na mata ou estava prisioneiro do Homem da Canoa Grande, como estava sendo chamado João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes pelos silvícolas. Potiassu destacou um grupo para procurá-lo, outro para fazer a vigília na praia, próxima ao marco, e dormiu intranqüilo e cansado.
As buscas ao índio desaparecido levaram os guerreiros ao local onde escutaram o ruído estranho. Vasculharam o lugar e lá se detiveram por mais de duas horas. Na sua trincheira, tendo ao lado o cadáver do silvícola morto, Homem da Canoa Grande tremia. Quando os movimentos da indiada cessaram, finalmente João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes conseguiu dormir, apesar da imensa fome que sentia. Dormiu ao lado do morto, naquele buraco por onde passeavam formigões pretos e formigas menores, vermelhas, que começavam a devorar o corpo frio e rígido do morto.
Quando João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes acordou, dia seguinte, o sol já estava alto e o movimento na praia já era intenso.
Dezenas de índios dançavam em volta da pedra chantada. Outros, nos morros ou nas dunas, faziam fogueiras, como se a anunciar suas posições ao chefe. Potiassu estava intrigado com o desaparecimento de seu guerreiro. Reforçara o grupo de busca e recomendara mais uma vez o aprisionamento do fugitivo. Queria-o vivo. Morto, só se colocasse em risco a vida de algum dos seus. Nos navios, a curiosidade aumentava entre os membros da tripulação. Por todo o horizonte de terra, viam-se rolos de fumaça subindo os céus.
Gaspar de Lemos, por volta do meio dia, ordenou que três barcos fossem lançados ao mar. Não iriam à terra, ficariam próximos às embarcações, apenas para dar mostras aos nativos de que estavam percebendo a movimentação que faziam. Em sua cabine de comando, o português chefe da tripulação discutia com Américo Vespúcio o que fazer. Esperariam os cinco dias combinados e só então mandariam seus homens à praia, bem armados e em grande número, as canhoneiras apontadas para o topo das dunas.
Aproveitando a curiosidade dos nativos diante dos barcos no mar, ameaçando rumar à praia, Homem da Canoa Grande saiu de sua trincheira, cavou, às pressas, um buraco raso, e enterrou o corpo do índio morto, tendo o cuidado de espalhar folhas secas no lugar remexido. Água, ele tinha para mais alguns dias, mas nada tinha para comer. Se tivesse armas silenciosas como as dos índios, decerto se arriscaria à caça, mas se contentou com alguns frutos amarelos, pequeninos, que vira índios comendo no dia anterior, ali perto do seu esconderijo. Experimentou o sabor da fruta e gostou. Coletou uma boa quantidade e voltou para seu abrigo, onde comeu-os com voracidade.
Na praia, os índios renovaram as frutas da esteira, assim como os animais abatidos. Esperavam a vinda dos visitantes para qualquer momento. Desde que os barcos foram lançados ao mar, mudaram de tática, deixando na praia apenas mulheres. Nas idas e vindas dos barcos, os portugueses chegavam cada vez mais próximos da arrebentação. Mas não ousavam pegar os presentes. Como não viam os dois tripulantes idos à terra já por três dias, parte da marujada começava a mostrar cansaço com a situação e sugeria ir-se embora dali, de vez. O comandante, contudo, manteria a promessa de esperar por cinco dias.
No quarto dia de espera, Gaspar de Lemos, atendendo sugestão de Américo Vespúcio, resolveu ir ter com os indígenas. Preparou barcos suficientes para cinqüenta dos seus homens, todos bem armados, levantou âncora de uma das naves fundeadas, aproximando-a mais do litoral, em posição de tiro, e comandou ele mesmo o desembarque. Ao perceber a movimentação dos visitantes indesejados, o cacique Potiassu ordenou que todos saíssem da praia e se preparassem para o ataque. Quando os portugueses chegaram próximos a terra, a indiada partiu em correria, descendo as dunas disparando uma chuva de flechas contra os invasores.
Os portugueses jamais tinham visto algo semelhante e bateram em fuga desesperada, sem esboçar reação de fogo, de forma atabalhoada e perigosa, mas logo resolvida quando as canhoneiras da nave mais próxima dispararam, assustando a indiada que desapareceu na mata para não mais voltar nesse dia. Em seu refúgio subterrâneo, João Antônio Cícero Sebastião José Silva Fernandes a tudo assistiu, e mais uma vez tremeu ao ver o estardalhaço que os índios, em fúria e aos gritos, fizeram.
Humilhado, Gaspar de Lemos adormeceu naquele dia pensando em como resolver a situação no outro dia, o quinto e último da espera.

Eduardo Alexandre

por Alma do Beco | 12:08 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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