sábado, fevereiro 19, 2005

Para não falarem que eu não falei no Pavarotti



Edgar Allan Pôla

Na sinuca de pano verde desbotado, o velho Helmut põe a bola branca mais uma vez na cassapa. Esbraveja, bate o taco contra a mesa e solta um palavrão impublicável. A gargalhada é geral. Jottoh Desmoulin toma-lhe o taco e anuncia a sentença dos derrotados: perdeu, sai! Coisas de quem sabe. Doutor Aírton abre outra cerveja para o capitão Dennis Touran, enquanto Leninha reclama da quinta saideira chegada à mesa. Satisfeita, Sandra Shirley toma a oitava Brahma paga pelo apaixonado e inebriado Volontê, que sonha possibilidades.
O escultor Jordão barganha com Paulinho pagamento para a conclusão do pórtico central de entrada do bar. Toma outra e comenta a frescuragem das meninas em festa - Gardênia a comandá-las. Ramos anuncia show de Carlinhos Bem no seu bem cuidado espaço cultural, o Balalaika, também de Antônio Carlos, do Sinte, em conversa com o homem da CUT, Zizinho, que, rápido, toma rumo do Bar do Pedrinho, em frente, à cata de um fígado acebolado. O professor Bira, concentrado no tabuleiro de xadrez, ensaia um mate no já quase grogue Cornélio Neto. Pedro Pereira diz preferir as damas e sai para uma conversa com Liége, empolgada com a apresentação do General Junkie, de Paulo e trupe.
A calçada em frente ao Meia Meia Quatro está apinhada de punks tatuados, todos proclamando liberdades e vida de amor e paz. Ao som de Janis Joplin, Help comanda a pista de dança num Cry, Baby, Cry. João Gothardo, cheio de poeira do Instituto Histórico e Geográfico, de Enélio Petrovich, conta suas descobertas do dia, enquanto Harrison Gurgel declama sua modernidade para Giovanna Pê. Tadeu Litoral, tateando entre as mesas, procura os óculos deixados não se sabe onde. Luzia pede um guaraná. Luciano de Almeida, um Macieira. Mathias circula no pedaço.
O movimento é crescente. Dorian Lima traz notícias do Profinc e da Capitania: Marise Castro, Rose Aimée, Rejane Cardoso, Carlos Furtado, Cínthia Lopes. Assis Marinho conta a Marcellus Bob como foi a queda de moto sofrida em não programada ida ao Seridó. Marcelo Fernandes tenta vender a um circunstante cartões de natal. Com uma pasta quase maior do que ele, Aires Marques adentra o recinto a procura de Dunga. Senta, pede a Clésia uma Antarctica e diz que vai ligar para a capeta Gigliola, a sua espera, na sempre atuante Babilônia. Sylvia dá mais um amasso em Fábio do PT e não muda de conversa: só tem ela pra mudar. É Fátima, Mineiro, Hugo, Juliano, não quer nem saber se a campanha já terminou. Moisés de Lima passa ao largo; traz notícias dos italianos Cacá, Fon, Lola e Carlinhos Moreno. Cida Lobo pinta no pedaço. Traz consigo, em animado papo canino, Raul da Alcatéia Maldita e Edinho da Banda Matilha. Catarina está arredia. Civone radiante com perspectivas teatrais.
Nino chega e puxa conversa com o velho Mossa pendurado em Andréa. Berg abraça mais uma e dá notícias de Caicó: finalmente Laia esqueceu amores antigos e namora desajuizadamente, dando o que falar na cidade. Na mesa ao lado, como se o assunto não interessasse, o careca e rechonchudo André Pereira escuta atento a conversa. No balcão de tamboretes altos, os fotógrafos Marcus Ottoni, João Maria Alves e Ivanísio Ramos trocam figurinhas sobre personagens da cena política e gargalham atropelos. João da Rua chega com conversas de festivais paraibanos de artes, traz notícias de Jommard Muniz de Brito - Natal é a Londres nordestina - e atrai a atenção de Ojuara, João Barra e Guaraci Gabriel, numa mesa onde também estão Astral, Hermano Figueiredo, Venâncio Pinheiro e Antônio Ronaldo conversando sobre saudosos Festivais do Forte.
Notícias de Plínio Sanderson? "Nenhuma. Parece mesmo que ganhou o prêmio dos sumidos. Ele, Moura Neto, Rose Marie, Carlos Gurgel, Analba Brazão e Carlos de Souza", comenta o poeta Alberon, numa roda onde se encontram Henrique José, Roberto Monte e Mosquito, do PCdoB, em conversas de direitos humanos, Sérgio Dieb, Chico Miséria e impunidade em pauta. De Miami, vem o cartão: Maurílio Eugênio está chegando com novidades "e Cristina Jácome à tiracolo", dizem os maledicentes. Escorado à parede, vendo a apresentação d`Os Quatro em companhia do esquerdista de esquerda wilmista Osório Almeida, Racine Santos fala do seu Auto de Natal a ser encenado quando da inauguração do Largo da Rua Chile (registre-se: luta de Haroldo Maranhão).
Falves Silva - é de Leide - traz o panamá na cabeça e diz que Jota Medeiros já não é mais o mesmo: "deu até pra fazer poesia linear..." Olguinha sorri e sai, feliz da vida, acompanhada pelos poetas Bianor Paulino e Paulo Jorge Dumaresc. Vão tomar uma no Nazareno. Com o Jornalzinho do Sebo Vermelho homenageando Myrian Coely debaixo do braço, Abimael Silva chega com o também sebista Ricardo e já entra procurando a sinuca. Com certeza, vai dançar a cada tacada desferida. Trejeitos a acompanhar trajetórias que buscam cassapas desvairadas. Nas paredes, a mensagem: sorria, você também é poesia. Ou outra: ser - inevitável razão da existência. Ambas, remanescentes do Dia da Poesia próximo passado.
O mural ontem pintado a carvão por Helmut já desbotou com a neblina caída a noite. Todos os demais afrescos já sofreram a erosão de parede de reboco antigo e pobre. É noite e, à noite, todos os gajos são parcos. "Às 22:40 horas, Eduardo Alexandre deve chegar", anuncia esperançoso Jottoh, sonhando com noite acervejada. O Meia Meia Quatro é osso ou isso: a própria etilicidade espelhada no estacionamento da tarde calorenta e interminável dos abismos profundos das trevas da noite. Todos são pardos, falam coisa com coisa e tomam o caldo da casa, iguaria única do vasto cardápio. Da Escola Sebastião Fernandes, vêm, além das Rainhas, os professores Paulo Moraes, Soares, Francisco de Souza, o negão da Refesa Zé Fernandes e Toinho Couto. Falam as últimas do "Sebastian News" e avaliam o desempenho do sindicato.
Numa mesa isolada, um solitário menestrel canta "Praieira dos Meus Amores". Ninguém ali conhece o Pavarotti, mas, com certeza, Francinha o ama. É a Sharon Stone do Jacumã.

Natal, dezembro de 1996

por Alma do Beco | 11:05 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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Praieira
(Serenata do Pescador)


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A imagem de fundo é do artista plástico e poeta Eduardo Alexandre©

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