sábado, fevereiro 12, 2005

Fragmentos do Grande Ponto

Léo Sodré

Luciano de Almeida

Grande Ponto dos sonhos de incontáveis gerações de potiguares que, em épocas diversas, se encontraram nesse logradouro para conversar, lutar, amar, protestar ou simplesmente passar.
24 de agosto de 1954: milhares de pessoas oriundas de todos os recantos da cidade, convergem para o centro do centro com o objetivo de lamentar a morte do presidente Getúlio Vargas. As portas de rolo batem ruidosamente no chão ante a ameaça dos manifestantes. O choro é convulsivo entre os populares que, com paus e ferros, riscam as tiras articuladas das portas das casas de comércio, produzindo uma sinfonia dodecafônica que causa medo a todos nós.
Enquanto isso, eu, menino, recolho avidamente carteiras de cigarros vazias depositadas nas sarjetas do Grande Ponto. São maços de Camel (a nota mais valiosa), Luck Strike, Pall Mall, Chesterfield, Hollywood, Continental, Astória, etc. No Botequim, a conversa rola solta. É agradável o odor que emana do Café Maia. Na Confeitaria Cisne, jogadores do ABC e América resolvem, no braço, a partida de futebol que restou inacabada no Juvenal Lamartine.
Fins da década de 50: os estudantes secundaristas se postam no Grande Ponto, exigindo que a direção do Cinema Rex passe um filme de graça, ameaçando depredá-lo caso não atendam a reivindicação. A direção cede; os estudantes, em algazarra, entram maciçamente no cinema.
Noutro momento, uma turma (ou turba) de estudantes sob o comando de Pecado, investem furiosamente contra um ônibus da linha Rocas-Quintas, que passa lentamente no Grande Ponto. O ônibus é forçado a sair de seu itinerário e, perseguido por centenas de jovens excitados, contorna a praça Padre João Maria, entra na rua da Conceição e é encurralado na Coronel Cascudo. Os passageiros do coletivo mal têm tempo de pular apressadamente pelas janelas; os estudantes, impiedosamente, começam a apedrejá-lo e, por fim, põem fogo no veiculo. O esqueleto calcinado permanece vários dias no local.
No inicio dos anos 60, o Grande Ponto fervilha politicamente. A esquerda discute freneticamente o destino do Brasil. As vozes vibrantes do ferroviário Vavá e do telegrafista Afrânio Noronha são ouvidas de ponto a ponto, de lado a lado, do Grande Ponto. Eles denunciam o imperialismo norte-americano, defendem a Revolução Cubana, querem as reformas de base, apoiam o governo de João Goulart.
A Praça da Imprensa é a praça do povo. Na sacada do Fórum de Debates, em cima do Vesúvio, o deputado Leonel Brizola, com arma no coldre, cospe palavras de fogo, atacando o embaixador Lincoln Gordon e o general Muricy, a quem chama de “gorila” (com o perdão dos gorilas).
Organizada em colunas de oito pessoas, desfilam desafiadoramente no Grande Ponto os operários da construção civil, à frente o presidente do sindicato, Evlim Medeiros, que grita palavras de ordem em defesa da categoria em greve na cidade de Natal.
Discretamente, passa pelo Grande Ponto, com seu fino bigode à Clarck Gable, Carlos Villa, carregando debaixo do braço toda a imprensa socialista (Novos Rumos, Semanário, Panfleto, Terra Livre, etc.). Pelé solfeja a Tocata em Fuga em Ré Menor. Dom Inácio, nosso Marco Pólo do vale do Ceará Mirim, tendo em volta Alma de Vaqueiro, Bosco Lopes, Onofre, Hélio Brucutu e outros, relata suas fantásticas viagens pelos confins do Brasil.
Em meio a isso tudo, o golpe militar é urdido à socapa pelas forças políticas reacionárias. Os espiões espionam e listas são preparadas, contendo os nomes dos que serão presos quando da vitória da ofensiva golpista em desenvolvimento.
Um casal de mulheres, de braços dados, dão a volta no quarteirão. Sinal dos tempos. O prefeito Djalma Maranhão, envolto na bandeira nacional, comemora alegremente a conquista do bi-campeonato mundial pela seleção brasileira no Chile em 1962.
31 de março de 1964, o medo é instaurado no Grande Ponto. A repressão desencadeada pela ditadura militar alcança numerosos membros da comunidade que freqüentavam o logradouro. Tempos ásperos, anos de chumbo. 1968. Fugaz primavera. Os estudantes (universitários e secundaristas) voltam a ocupar o espaço político do Grande Ponto. Em abril daquele ano, milhares de estudantes, artistas e intelectuais natalenses se reúnem na Praça das Cocadas.
Cesildo Câmara e Ivaldo Caetano denunciam a morte de Edson Luiz no Rio de Janeiro e chamam o povo para a resistência aos usurpadores do poder. Carlos Furtado e Selma se beijam e rodopiam na calçada do Novo Continente. João Gualberto e Graça Arruda passam abraçados pelo Grande Ponto. Anchieta Fernandes, Dailor, Falves, Alexis Gurgel dirigem-se para a Livraria Universitária para uma conversa de fim de tarde.
Juliano Siqueira, Bené Chaves, Sobreira, Manu, Gilberto Stabili, Ivanez, Marcos Silva e outros discutem a Nouvelle Vague, o Neo Realismo e o Cinema Novo, enquanto se preparam para assistir, no Nordeste, mais uma sessão do cinema de arte.
Com o Ato 5, soa o dobre de finados para toda a atividade política no Grande Ponto. Ponto final.

por Alma do Beco | 1:03 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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