quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Flores brancas sobre o corpo...

Por
José Correia Torres Neto – Engenheiro Mecânico



Antes de tudo um forte. Sob um sol inclemente, puxando uma tropa de burros, cruzando o chão rachado, arrastando um passado sofrido em busca de um futuro incerto.

Esse homem nordestino de pele clara, de olhar cansado de tanto mirar esse céu azul sem nuvens, guarda nas lembranças as aventuras dos Ferreiras e Conselheiros. Louva o padre maior desse sertão tão esquecido pelos homens e protelado pelos deuses.

O chapéu de palha é seu companheiro quando cruza as fronteiras da miséria. Os pés rachados se protegem com o couro escuro de suas alpercatas. As mãos calejadas pelos fardos do sofrimento unem-se, a cada fim de tarde, e imploram um pouco mais de vida.

Seus filhos, como sementes jogadas ao mundo, espalham-se em busca de uma sobrevivência. Marias e Josés levam no nome uma lembrança do sertão em vida; nos semblantes um pouco de esperança e tristeza além da conta.

O velho sertanejo continua a tanger a tropa de burros. Anos e anos em busca do que não se conhece. O rosto cansado peleja uma sombra boa no alpendre de sua casa. Matar a saudade da companheira, tão sofrida quanto ele, é tudo que deseja.

Não vê os filhos crescerem, nem os netos, nem os bisnetos, nem os filhos dos bisnetos. O corpo envelhece. O esquecer da vida é a pena a ser cumprida. Hoje já não mais existe a tropa de burros e nem mais a companheira. O seu chapéu descansa no armador de redes. Seu corpo enrugado ocupa o centro da estreita cama.

O paladar, a audição e seus olhos claros fazem parte de um passado. O tempo, mais uma vez, tornou-se vencedor. Seu corpo está frio. Suas mãos pararam de tremer. É o fim.

O sertão está muito mais triste, assim como eu. Seus filhos se reúnem e cada um chora a sua dor da forma que lhe convém. A cidade grande e sua crueldade de vida não os fizeram esquecer do amor. Uns lamentam. Outros rezam.

As sementes que foram jogadas ao mundo se reúnem pela última vez ao seu lado. Nada dizem, apenas choram. Seus olhos inundam a alma. A seca, pela primeira vez, não se faz presente.

Seu corpo agora é segredo de nossas terras. Virou semente de lembranças. E essa vida que levou os seus verdes roçados, que expôs a carcaça da velha tropa de burros ao sol ingrato e que encantou sua velha companheira agora o arrasta, sem nos pedir licença, para o desconhecido.


“Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre. (A.S)”

Pela memória desse meu avô sertanejo - Conhecedor dos segredos do sertão, do plantar, do colher, do criar e procriar...

por Alma do Beco | 9:50 AM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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