sexta-feira, fevereiro 25, 2005

E o carnaval ficou na memória



Eliade Pimentel

A cidade já está mais do que no clima de carnaval. Depois de tantas prévias, hoje, à noite, tem Baile de Máscaras na Confeitaria Atheneu e Baile da Danuza no Blackout Bar. À tarde, os blocos das Andorinhas e dos Gaviões fazem a festa nas ruas da cidade.
Formado só por mulheres da área da saúde, o bloco das Andorinhas nasceu há 10 anos com apenas 12 integrantes. Hoje, elas estão em número de 350 foliãs e sairão às 16h do Bar do Bidoca, na rua São José, animadas por um trio elétrico.
Invejadas pela condição feminina de foliãs, os homens da área da saúde criaram o bloco dos Gaviões. Eles saem pelo terceiro ano, também hoje, às 14h, do bar Dom Quixote, e percorrem ruas de Petrópolis até alcançarem a Associação Médica, na avenida Hermes da Fonseca. Lá encontram as Andorinhas e se confraternizam numa grande festa.
Pode-se dizer que eles são alguns dos heróis da resistência de um carnaval fadado ao fracasso eterno, sem apoio, sem gente para brincar. Na última década, o carnaval de rua em Natal se restringiu ao desfile das Kengas, e a uma ou outra manifestação popular isolada, como este caso dos profissionais da saúde.
Natal nunca foi referência obrigatória de folia. Porém, já teve seus dias de ouro nos carnavais da vida. A principal diferença em relação aos grandes centros carnavalescos, é que a folia sempre foi muito voltada para a elite, isso desde os tempos dos corsos na Ribeira.
"No meu tempo era muito diferente. As pessoas da sociedade faziam bailes no Aéro Clube e no América", atesta Cinira Wanderley Raymond, 70 anos. Ela brincou carnaval nos primeiros anos da década de 40, e só não continuou porque se mudou da cidade.
Sobre essa época, Cinira conta como as marchinhas confundiam os americanos. "Quando a turma cantava ‘Ai, ai, Cecília’ eles pensavam que a gente estava chamando uma amiga da turma".
As músicas cantadas eram aquelas famosas Aurora, Jardineira, Sassaricando e muitas outras, puxadas por orquestras de metais.
Os desfiles dos blocos - organizados por Eutália Dantas, uma distinta senhora da sociedade - aconteciam à noite, inicialmente na avenida Rio Branco, e, posteriormente, na Deodoro da Fonseca.
O pesquisador Lenine Pinto também foi um folião dos mais atuantes em Natal. Ele testemunhou as manifestações do período que vai de meados da década de 30 até parte de 50: "Eu não sou do tempo dos carnavais antigos da rua da Palha, atual Vigário Bartolomeu, nem dos corsos da Tavares de Lyra. Comecei meus carnavais pelos bailes infantis do teatro Carlos Gomes".
Nessas ocasiões, ele sempre ia fantasiado de presidiário, vestindo uma camiseta que trazia o número 13 nas costas. "Minhas tias é que tratavam de fazer a roupa", recorda-se.
Lenine não poderia deixar de citar uma cena obrigatória desses carnavais, e que deixava toda a platéia enojada. "Quando eu era adolescente, assistia aos desfiles dos blocos na Rio Branco, e não esqueço de Ramalhinho, vestido de fraque e cartola, com um penico na mão".
O tal penico era cheio de cerveja e lingüiça, e o folião comia a mistura. "Aquilo deixava todo mundo horrorizado". A irreverência não parava por aí. O avô materno do pesquisador, conhecido por Ioiô Barros, era outro que deixava as mães de família em polvorosa por causa dos seus versos fesceninos.
"Ele, sozinho, era o bloco Cão Jaraguá, e entoava sempre a mesma cantiga, ‘olha a rolinha, sinhá, sinhá’ e outras de duplo sentido, acompanhado do reco-reco. Causava grande escândalo para as senhoras que moravam na Rio Branco."
Lá pela década de 50, os desfiles passaram a acontecer na avenida Deodoro da Fonseca. "Maria Boa desfilava com Antônio Farache em carros conversíveis, Newton Navarro pintava camisetas, a gente freqüentava as Noites de Ouro. Nessa época, a folia também acontecia nas feijoadas de Zé Herôncio, nas proximidades da praça Pe. João Maria. Eram festas memoráveis."
No início da década de 40, quem protagonizava a baiana de maior sucesso era um senhor chamado Raimundo Amaral. Segundo Lenine, ele fazia a personagem muito melhor do que Carmem Miranda. "Além dos balangandãs de praxe, Raimundo usava umas luzes movidas a pilhas."
Embora os blocos fossem de elite, havia um ou outro mais popular, como foi o caso do Pega no Arranco, que contava com ninguém menos do que Djalma Maranhão como folião, isso no final da década de 30, início de 40.
A juventude era mesmo incansável. O costume de brincar o carnaval em blocos continuou até meados de 70. Maria do Carmo Bezerra Milagres, 62 anos, estreou no carnaval em 1956, no bloco Diabo Rubro, do América.
"A gente brincava à noite no clube, e, durante o dia, a turma fazia o corso na Deodoro. O bloco tinha em torno de 30 a 35 pessoas, todas vestidas com fantasias muito bonitas", relata. Ela ressalta a diferença em relação aos blocos do Carnatal, por exemplo, que são compostos por milhares de pessoas.
Nos carnavais seguintes, Carminha e amigas, num total de 15 garotas, criaram o bloco Brotinhos Indomáveis. "Nós combinávamos de fazer os assaltos com os meninos dos Milionários. Era uma delícia."
O costume dos assaltos persistiu enquanto houve carnaval de bloco na cidade, desde os meados de 30 até 70, mais ou menos. Uma pessoa abastada da sociedade era " assaltada" durante um dia de folia. Tudo era previamente combinado: os foliões eram recebidos com muita comida e bebida.
Existiam os blocos rivais, como era o caso dos Brotinhos e As Garotas. "Para onde elas iam a gente nem pisava", relembra a foliã que marcou presença até o ano de 64, "depois disso, eu noivei e meu noivo não gostava de carnaval."
Na opinião de Carminha, um dos motivos que geraram o fim do carnaval de rua em Natal foi o fato da Banda do Cajueiro em Pirangi ter arregimentado foliões para aquela praia. "E também porque os prefeitos começaram a ser indicados, na época da ditadura, nos anos 70, e não tiveram interesse em manter a tradição popular."
A artista plástica Madé Weiner, 50, brincou seus primeiros carnavais na década de 60. "A gente saía no bloco Jardim de Infância e depois todo mundo ia para os bailes do América. Era maravilhoso, as pessoas vestiam altas fantasias."
Para ela, as melhores ocasiões dos carnavais também eram os assaltos e a alegria que reinava na praça Pedro Velho. "Naquela Natal pequena e provinciana ainda, aqueles carnavais eram a real comemoração das festas da carne, mas a gente era muito inocente", caracteriza.
O bairro de Petrópolis continuou sendo palco para animados blocos até início da década de 80, quando surgiram as bandas, das quais a mais famosa é a Bandagália. Os blocos todos passaram a ter seus próprios hinos, e o primeiro grande sucesso veio com o Frevo da Mundiça, de Carlos Santa Rosa e Leonardo Cavalcanti.
Dos mais antigos, continuava o Jardim de Infância e os novos eram Puxa-Saco, Meninões, Mundiça, Saca-Rolha, Ressaca, e muitos outros. As bandas, eram Negra, dos Artistas, Filhos da Pauta (de onde surgiu o bloco Burro Elétrico, do Carnatal), e Gália.
"O diferencial estético das bandas era principalmente a irreverência", aponta Santa Rosa. Uma prova, é que o embrião do Bloco das Kengas foi gerado nos desfiles da Gália. "Arruda Sales se vestia de drag queen para surpresa de todos".
Segundo o compositor, além do acidente fatídico ocorrido em 1984, que vitimou foliões e músicos na subida da ladeira do Baldo, numa prévia do bloco Puxa-Saco, a falta de segurança também foi outro fator que levou os natalenses aos carnavais praianos. "Culminou com o assassinato de um folião na Bandagália".
A tentativa de resgate do carnaval de rua em Natal pretende preencher a lacuna imposta à tradição desde a década de 80.

por Alma do Beco | 3:29 PM


Hugo Macedo©

Beco da Lama, o maior do mundo, tão grande que parece mais uma rua... Tal qual muçulmano que visite Meca uma vez na vida, todo natalense deve ir ao Beco libertário, Beco pai das ruas do mundo todo.

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